Wednesday, April 24, 2013


Foi-se. Não ela, mas a vertigem febril que me sobreveio apressada e desorientadamente. Minha alma destrutiva e ardente quer despencar. Seguro firme num sorriso amarelo e tento amansar o ímpeto bestial, suicida.

"That girl was always falling again and again. And I used to sometimes try to catch her". Ouço no repeat.

Debruço sobre devaneios, escancaro a autocoação, reviro insultos e desilusões. Sou carcaça de novo. Imitação mal feita de gente.
 
Me preenche um amontoado das cinzas de remorso ungido de choro barato. Choro de perdedor, de recalque. Queixo no lodo, boca na sarjeta.

Acorda, não come, parte. Ardera insanamente. Dias, semanas... No caminho, restos apodrecidos caem. Num rastro mórbido e viscoso agonizam e depois morrem.

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Friday, November 09, 2012

O lápis toca a lisa superfície. A cabeça titubeia, a mão paralisa e o texto não acontece.


Havia no fim de tarde uma áurea de absoluta suspensão. Admirava o contorno alaranjado que travestia de vivos os prédios que a vista alcançava. Envoltos pela aquarela colorida, eram agora dotadas de alma as obras moribundas.

Ventava e à suave luz solar revelava-se uma lua em forma de sorriso branquíssimo. Deitado, esparramava-se num hiato de tempo. Todo o esplendor que se oferecia ao redor só fazia concluir que havia mais vida nos prédios ensolarados do que no universo de dentro de si.

Esse era só um flutuar amórfico desmembrado das emoções. Sentia-se como se, dentro do ringue, lhe acertassem com toda força. Os nervos antes tensionados pelo calor do embate subtamente desconectam-se. O cair na lona é como uma embriagada queda em abismo sem fim.

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Há suaves fios de um elemento denso que flutuam, conectados entre si sem ligação aparente. Há poeira cósmica se reunindo vagarosamente e há algo que se forma da impossibilidade.

Sunday, June 17, 2012

Ao conhecê-la, passou a ser objeto numa espécie de quebra-cabeça às avessas:

em cada movimento ela o desconstruía em mais uma peça.

Não demora e todo ele estará espalhado em qualquer lugar.

Então por que a lenta mutilação lhe exerce tão profundo fascínio?

Realizemos, caros amigos, o maior desejo daqueles mimados desde a primeira infância: ofereçamo-lhes um espelho grandioso. De suficiente tamanho para suportar todo o inflar do ego. Um companheiro insuperável nos sublimes momentos de exaltação a si próprios. 


Poderiam então os nossos abastados companheiros contemplarem suas perfeitas feições ao nos transcrever detalhadamente os feitos incríveis que suas capacidades intelectuais mui elevadas lhes proporcionam dia após dia.


Fascinados com o próprio reflexo, talvez assim nos poupem dos pitis que desferem quando são obrigados a se lembrarem que os ouvidos também servem para decodificar falas alheias e nao apenas para apreciar suas esplêndidas lucubrações.


Torçamos, pois, para que o ímpeto de açoitar tudo o que lhes é estranho não seja ainda mais forte que o encantamento de seu retrato refletido.

Sunday, June 10, 2012



Vem de baixo das pedras, do beco, da maresia e dos balcões.

Vem do sal, da boca molhada, da bota manchada, do intrépido e desvairado despencar das águas às rochas concretas.

Do palco, olhos, encontros, descaminhos, tropeços, quedas, stramberry fields na agulha, da maré que transborda e invade, da melodia destoante dos idiomas, da miscelânea colorida.

Vem do bumbo, da caixa, do sopro e das cordas. Da blue note se expandindo e do Renoir escancarado no céu que não existe.

Em tudo há a sutileza de um sussurro. Acariciando os tímpanos: inspire-se e sonhe.

Monday, June 04, 2012



Surto: ando meio cheio de tudo. Em explosões solares, a angústia avança pelo universo de dentro de mim. Ecoa em meu desmoronar.

É desejo latente, alimentando brasa oculta e maculada. Teu lugar ausente, teu chá fervente, tua boca amarga. A falta do desmanchar-me em ti.

Todo o aglomerado caudaloso que, preso à membrana já disforme, condensa, ferve e pressiona.

Em breve não mais será delineado. Enfim, a atmosfera. Logo menos, todo o espaço

Wednesday, February 01, 2012

Eu saio de casa afim de renovar os ares, ver a vida na rua. No alto das 15h37, horário escancarado no relógio - que checo sem muita animação inclinando com esforço a cabeça, antes enfiada no travesseiro, para o lado - tomo a decisão. Preciso que o tempo trabalhe, reorganize minhas impressões, me devolva a serenidade.

Decido então que quanto mais vida melhor, e saio para onde possa admirar a vida acontecendo. Já fora de casa, me inclino sobre um parapeito de onde observo algumas crianças se divertindo. Lindas, falam, correm, sorriem. Nem sabem o bem que me trazem em sua espontaneidade.

Me sento, para ler, se fumasse (e se o prefeito deixasse) acenderia um cigarro, vício companheiro como citaria minha mãe dia desses. As páginas ensolaradas, o livro contagiado pelo dia lindo que se oferece ao meu redor. Sinto seu calor, a grama, quando tiro os sapatos. Por que não me contagio também?

Todos os elementos que me rodeiam parecem querer devolver-me qualquer coisa que se perdeu ontem. Até o livro, esforçado, ocupa minha cabeça em crônicas transbordadas de vida e filosofia (algumas vezes propositalmente botequeira).

Como. O suco de laranja desce minha garganta e é como se eu tivesse pulado de cabeça numa cachoeira em dia de verão. Continuo a leitura, mas por que é que a figura dela, tomando esse mesmo suco outro dia, segurando o copo com as pontas dos dedos das duas mãos se confunde às linhas?

Quando me propus a arriscar-me assim, me expor dessa forma, só para viver intensamente, imaginava o tamanho da queda. Beijei beijos que desabaram sem medo em pélagos profundos, como sugeriu Baudelaire. Ou dei pra sonhar, rompi com o mundo, queimei meus navios, como canta Chico Buarque. Eu sabia que a queda seria certa, irremediavelmente dolorosa. Que as lembranças seriam angustiantes. Mesmo assim, mesmo assim eu aceitei os termos.

Estava tudo lá, escancarado, clarinho clarinho. Cláusula em letras garrafais garantindo o meu sofrimento. Mas, se as citações ainda são bem vindas por aqui, empresto as palavras de Ferreira Gullar e afirmo que da mesma forma que me abri para a alegria, que dela fui ao fundo, abro-me agora para o sofrimento, seu avesso ardente e fruto dela. E completo: a vida só consome o que alimenta.

Saturday, November 26, 2011

Separação


Ela me deu um cheque em branco para que eu pagasse minhas contas com o dentista. Assinou e me entregou.

Depois, meu de seu coração em branco, para que dele eu me servisse. Rasgou-o do peito e me entregou.

Observei-a mutilada em meio às malas que se empilhavam. Seus olhos eram abismo árido. Vermelhos, expunham-me a úlcera avassaladora que lhe perfurava a alma.

Como uma garganta ressequida anseia por qualquer gota d´água, sua figura - agora toda uma ferida explícita e ardente - debulhava-se por qualquer sopro vital para não sucumbir.

Estremeci, me contagiei. Mas antes que meus lábios se movessem, contive a precipitação da fala. Balbuciei, engoli. E não cedi.